O presente relatório tem o objetivo de apresentar para as instituições financeiras nacionais e internacionais, ao poder público (federal, estadual e agências governamentais), iniciativa privada e a sociedade de maneira geral um diagnóstico da situação atual da barragem do Bico da Pedra, localizada entre os municípios de Porteirinha, Nova Porteirinha, Riacho dos Machados e Janaúba, todos no Norte de Minas Gerais, Brasil, sob o ponto de vista de sua capacidade para suprir, agora e no futuro, as necessidades hídricas dos Perímetros de Irrigação Gorutuba e Lagoa Grande.
A região compreendida pelo Vale do Rio Gorutuba, que abrange as cidades de Janaúba, Nova Porteirinha, Porteirinha e Riacho dos Machados, caracteriza-se pelo clima tipo semiárido, com precipitação anual média de 850 mm, distribuídas entre os meses de novembro a março, e um forte período de estiagem nos sete meses restantes do ano. A temperatura média é de 26°C, sendo a média das mínimas de 23°C e a média das máximas de 28°C. Estas condições climáticas limitam o desenvolvimento de uma agricultura de sequeiro forte e sustentável.
Por outro lado os solos apresentam boas características físicas e químicas que, aliadas à técnica de irrigação, transformou esta região no mais importante polo de fruticultura do Estado de Minas Gerais, gerando e distribuindo recursos substanciais para a economia local através da produção e comercialização de frutas e seus derivados para todo o Brasil. A base desse desenvolvimento é a presença de um bom manancial de água superficial que foi conseguido com a construção, pela CODEVASF, da Barragem do Bico da Pedra, que serve como fonte permanente de água para ser usada na irrigação.
A obra foi iniciada pela União, através do DNOCS, ainda na década de 60 sendo assumido pela CODEVASF em 1976, e o objetivo básico era dotar a região com uma infraestrutura de irrigação capaz de sustentar uma agricultura com potencial de ser trabalhada em cerca de 6 mil hectares de terras irrigáveis e férteis consolidando um polo agroindustrial que promoveria o desenvolvimento regional em áreas até então assoladas pela má distribuição e escassez de chuvas, à semelhança da realidade nordestina do País. Era a forma de paralisar e até inverter o fluxo migratório de trabalhadores e famílias para o centro sul do Brasil e, no lugar de carvão e gente migrante, transportar alimentos para as diferentes partes do território Nacional e até para o exterior, atraindo assim mais mão de obra e empreendedores para a região.
A Barragem do Bico da Pedra possui uma área total de 3.830 ha de bacia hidráulica (espelho d’água), com a função de armazenar água para irrigação, perenização do Rio Gorutuba, abastecimento humano e recreação.
A construção desse empreendimento permitiu a criação de uma forte agricultura irrigada consolidada, com a presença de dois perímetros de irrigação, o Perímetro de Irrigação Gorutuba - PGO e o Perímetro Lagoa Grande – PLG.
Os Perímetros são empreendimentos públicos de responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – CODEVASF, sendo que o PGO foi implantado no período de 1974/78 com sua operação iniciando-se em 1976. A administração, operação e manutenção desses perímetros são de responsabilidade de suas Associações de Irrigantes, o Distrito de Irrigação do Perímetro Gorutuba – DIG pelo PGO e a Associação dos Proprietários Irrigantes da Margem Esquerda do Rio Gorutuba - ASSIEG.
Atenção especial é dada de precipitação do ano hidrológico de 2014/2015, onde foi verificado o acumulado de 472,60 mm, segunda menor ocorrência da série histórica e muito abaixo da média, que é 763,60, que aliado aos últimos seis anos de precipitações abaixo da média fez com que a situação hídrica fosse agravada.
Os dados apresentados no Gráfico 2 e 3 são do período a partir do ano de 2007, ano em que a barragem atingiu sua cota de sangramento, até a data 20/05/2015.
O comportamento da Barragem demonstra a queda constante dos níveis de água a partir do ano de 2007, evidenciando as maiores amplitudes atingida nos anos de 2011 para 2012, de 2012 para 2013 e de 2014 para 2015.
Analisando o comportamento da Barragem ao longo do ano de 2012 (Gráfico 2), pode ser observado que as recargas foram muito pequenas quando comparadas com recargas dos demais anos, principalmente no início do ano. Destaque para o mês de Março de 2012, no qual não houve recarga no lago e observou-se a diminuição da cota em virtude da intensificação da irrigação, reflexo da falta de chuvas. O mesmo fato pode ser observado para o ano de 2013, 2014 e 2015, demonstrando a baixa recarga no início do ano, bem como ausência de recargas no mês de Março.
Em contrapartida no mês de dezembro de 2013 houve uma recarga muito acima do normal, nunca registrado na história da barragem, evidenciando a grande variabilidade em termos de intensidade e volumes totais de chuvas no tempo e no espaço, assim como ocorre no semiárido nordestino.
Fica evidente, com o auxílio do Gráfico 4, concluir que, com exceção do ano hidrológico 2013/2014, todos os demais tiveram saldo de recarga deficitário, com destaque para os anos hidrológicos de 2011/2012, 2012/2013 e em especial do ano 2014/2015, ou seja, a situação hídrica dos Perímetros de Irrigação vem se agravando a cada ano apesar dos racionamentos implantados.
Os Perímetros de Irrigação Gorutuba e Lagoa Grande decidiram iniciar o primeiro racionamento imediatamente após o fim do período chuvoso do ano hidrológico 2011/2012, ou seja, no dia 1º de maio de 2012, com redução no fornecimento de água na ordem de 30%.
Tendo em vista que o ano hidrológico 2012/2013 foi ainda pior no sentido de acumulo de água na Barragem Bico da Pedra, pois como pode ser observado no Gráfico 2, apesar do esforço dos Perímetros com redução na captação, a Barragem fechou o ano hidrológico com déficit de 3,10 metros, o que fundamentou a decisão para o aumento do racionamento em mais 20% no mês de fevereiro de 2013, totalizando 44% de racionamento.
A tomada de decisão é orientada ainda por uma distribuição de probabilidade das vazões afluentes ao reservatório com vista a garantir que o sistema não entre em colapso no intervalo de tempo de 2 anos.
A situação hidrológica no ano de 2013 foi de tamanha gravidade que foi necessário a instalação de sistemas de bombeamento de água para o Perímetro de Irrigação Gorutuba, tendo que vista que de forma gravitacional já não seria mais possível a captação a partir de agosto de 2013.
Foi no ano de 2013 também, devido a gravidade sem precedentes da crise hídrica para os perímetros de irrigação, em que as autoridades foram mais sensibilizadas, com destaque para a Agência Nacional de Águas – ANA, que visitou a região e juntamente com o Comitê de Bacia do Rio Verde Grande, reativou a Comissão Gestora do Rio Gorutuba e consequentemente a Alocação Negociada de Águas da Barragem Bico da Pedra.
Desde então, a ANA tem acompanhado de perto a situação e dado grande contribuição técnica e atuando como mediador poderoso e imparcial nas discussões, devido a sua credibilidade e competência.
A alocação de água se deu em agosto de 2013 com a aprovação da operação que o DIG até então vinha realizando.
Já nas águas do ano hidrológico 2013/2014, houve uma significativa recarga do reservatório, contudo não foi o suficiente para repor o déficit registrado no último ano hidrológico (2012/2013), dessa forma decidiu-se por manter o racionamento de 44% por todo o ano de 2014 até o final do período chuvoso seguinte, ou seja, até abril de 2015, onde haveria uma reavaliação da situação hídrica.
Pois bem, em abril de 2015, foi realizada uma reavaliação da situação hidrológica e verificou-se, que apesar da manutenção do racionamento na ordem de 44%, o saldo de recarga da barragem foi surpreendentemente ruim, com índices pluviométricos muito abaixo da média, o que contribuiu para o agravamento da situação do manancial.
Pelo fato dessa quase inexistente recarga do reservatório, colocou o mesmo numa situação nunca antes vivenciada pelos Perímetros de Irrigação Gorutuba e Lagoa Grande que para evitar o colapso, que traria prejuízos sem precedentes, novamente teve que aumentar, desde o dia 1º de maio de 2015, o racionamento em mais 30%, totalizando então 61% de racionamento quando comparado com a situação vivenciada antes do ano de 2012, quando não se tinha qualquer restrição para o uso da água.
No Gráfico 5 abaixo, ilustra o comportamento da cota da barragem Bico da Pedra para o cenário de manutenção da operação com racionamento de 44%, chamado de Cenário 1, e para o aumento do racionamento para 61%, chamado de Cenário 2, sendo este último, como dito anteriormente, o adotado, tendo em vista que é o mesmo que busca a garantia do fornecimento de água até o período chuvoso do ano hidrológico 2016/2017.
Tal cenário foi aprovado pela Alocação Negociada de Águas e pela ANA em reunião realizada no dia 14 de maio do corrente ano, com uma diferença, poispela primeira vez foi determinado que a Best Pulp deveria reduzir a captação em 30%, assim como a Estação de piscicultura e o Frigorífico. Tal decisão vem de encontro com o princípio da igualdade entre os usuários, ao incentivo ao uso racional e valorização dos recursos hídricos.
No Gráfico 5 a linha na cor preta indica a cota em que ocorre a interrupção do fornecimento de água para os usos múltiplos, que é a cota 535, ou seja, abaixo dela só poderá haver captação de água para o abastecimento humano.
Complementando as informações sobre a disponibilidade de água da Barragem Bico da Pedra, podemos analisar o gráfico 6 e 7 e concluir que do total da capacidade de armazenamento do reservatório, resta aproximadamente 21%. Sendo estes divididos entre Usos Múltiplos (inclui irrigação e abastecimento humano) com 9% e o restante 12% exclusivamente para o consumo humano aproximadamente.
As atividades de agricultura irrigada dentro desses perímetros geram aproximadamente 10.500 empregos diretos e indiretos, produzem cerca de 84.874,00 toneladas de produtos agrícolaspor ano, o que representa uma geração de renda na ordem de R$ 103 milhões por ano (dados 2014 da CODEVASF).
A área total irrigável dos dois perímetros é de 6.545,95 ha, sendo 2.459,54 ha irrigáveis para 380 pequenos produtores e 4.086,41 ha irrigáveis para 113 médios e grandes produtores, tendo como principais culturas a banana, manga, mamão, uva, goiaba e produção de sementes. Desse total de 6.545,95 ha potencialmente irrigáveis, estão sendo utilizados aproximadamente 4.825,00 ha, ou seja, 25% da área não está sendo utilizada em virtude da restrição hídrica, o que representa uma redução de mais de 2.600 empregos diretos e indiretos na região.
Essa agricultura irrigada proporcionou uma maior visibilidade da região do Vale do Gorutuba o que, por sua vez, fez aumentar o interesse em investimentos do setor privado. Esses investimentos foram realizados principalmente na pecuária, no comércio e prestação de serviços das cidades de Janaúba e Nova Porteirinha.
O comércio que se desenvolveu para atender toda a demanda de produtos e serviços desses investidores se tornou forte e atraente, sendo a segunda mais expressiva de todo o Norte de Minas Gerais, atrás apenas de Montes Claros.
Esse comércio, altamente dependente da rentabilidade do agronegócio, gera mais de 4.388 empregos diretos, representando uma renda de mais de R$ 79,8 milhões por ano (dados 2014 segundo ACIJAN).
Várias iniciativas foram deliberadamente estabelecidas nos últimos anos visando a exportação de frutas frescas e processadas para os mais importantes mercados mundiais, notadamente União Europeia e Oriente Médio. A manga produzida na região já faz parte do cardápio das famílias naquelas regiões e mercados alvo mencionados. A banana prata, produto característico do Vale do Gorutuba estará, em breve, nas prateleiras dos supermercados europeus e do Oriente Médio, uma vez que estudos avançados estão definindo a melhor tecnologia de conservação desse produto no transporte marítimo de longa duração. Milhões de dólares serão gerados em função dessas operações, milhares de empregos adicionais vão gerar renda que será distribuída no comércio e serviços locais, enfim, o desenvolvimento regional dará um salto significativo em função de todo esse trabalho de desenvolvimento de novos mercados.
O perímetro atravessa por uma fase difícil, onde para manter a sustentabilidade do uso dos recursos hídricos, teve de operar com racionamento de 61%, impactando naturalmente sobre a produção e consequentemente descapitalizando os produtores.
Podemos afirmar ainda que o impacto maior é sentido pelos pequenos produtores, que não possuem capital de giro e que utilizam menos tecnologia em sua produção e gestão de seu empreendimento.
Analisando-se os dados e as projeções de cenários descritos neste relatório, conclui-se facilmente que a situação é delicada e existem ameaças concretas de diminuição / interrupção da disponibilidade de água para a irrigação oriunda da barragem do Bico da Pedra.
Em qualquer uma das situações, os impactos socioeconômicos seriam desastrosos para os municípios que dependem comercialmente e na área de serviços do agronegócio do Vale do Gorutuba. Avanços conquistados com muita bravura e dedicação do governo e da sociedade civil durante principalmente as duas últimas décadas seriam anulados e a região voltaria a apresentar um desempenho inaceitável nos índices de desenvolvimento para um estado tão rico e organizado como Minas Gerais.
É fundamental, nesse cenário de crise hídrica, que ações que visem aumentar a eficiência do uso da água, aumento da disponibilidade hídrica e aumento da vida útil da Barragem Bico da Pedra sejam implementadas, para que a atividade de agricultura irrigada, continue a ser viável.
Disponivel também em PDF no link abaixo
FAVOR ATUALIZAR O NÍVEL DA COTA DA BARRAGEM, ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO 24/01/18.
porque não atualiza os dados?
Caro Humberto, boa tarde! Primeiramente quero lhe agradecer pela contribuição. Em segundo, vc tem razão quando diz que a demanda hídrica da cultura da bananeira é alta, contudo tal fato não implica num maior ou menor uso dos recursos hídricos disponíveis. Este fator tão somente limitará a área plantada, já que o volume de água disponibilizado não é alterado, ou seja, a dotação de direito de uso da água é o mesmo, independente da cultura, de modo que o produtor que optar por uma cultura de menor demanda hídrica conseguirá plantar uma área maior do que outro que escolher por plantar banana, isso partindo da premissa que ambos têm a mesma disponibilidade total de água e possuem a mesma eficiência na aplicação da água. A questão da escolha por qual cultura plantar fica a cargo do produtor que tem o livre arbítrio para decidir qual atividade lhe é mais conveniente, contudo, é dever de todos cobrar que ele uso a água de maneira racional e responsável. É importante discutir Humberto o aspecto da eficiência do uso dos recursos hídricos, seja na condução e distribuição, seja no uso final, na irrigação propriamente dita. Os recursos de maneira geral sejam naturais, financeiro, humanos, estruturais etc., devem ser utilizados cada vez com maior eficiência. É isso que a sociedade, com toda razão, cada vez mais cobra e que deve sempre ficar em pauta nas discussões.
Em projetos de Irrigação a cultura a ser explorada é fundamental para definir o consumo de água do sistema. É sabido que a Banana, principal cultura dos dois projetos, consome muita água para produzir e ter qualidade. Porquê o relatório não trata deste aspecto? Será que o culpado é só São Pedro?